Grande Reportagem: O outro lado do Aleixo
Grande Reportagem: O outro lado do Aleixo

Grande Reportagem: O outro lado do Aleixo

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TEXTO: Beatriz Cação, Laryssa Assis, Maria Inês Ferreira e Magda Santos – UFP

A cidade do Porto, noutros tempos, era constituída por várias habitações em formato de ilha, sendo que a falta de saneamento e as condições de higiene eram um dos problemas.

O Bairro do Aleixo foi um dos primeiros bairros camarários a ser construído no Porto. Em 1975, começou a ser habitado por pessoas que vinham da zona da Ribeira e do Barredo. Esta construção não passava de uma experiência habitacional onde as pessoas que moravam em zonas sobrelotadas (ilhas) foram realojadas nesta nova tipologia de construção. No entanto, esses moradores sabiam que a situação era provisória e poderiam ter de se mudar a qualquer momento. Ao longo dos anos foram surgindo outras torres, fazendo com que a esperança dos habitantes do bairro crescesse. 

Video : DR

No início o bairro contava com mais de 1700 moradores, no entanto, com o crescimento das famílias houve a necessidade de construir novas infraestruturas para aqueles que ali habitavam, como a escola, o ATL, o ringue, o centro de dia e espaços ao ar livre para lazer e praticar desporto.

O bairro do Aleixo contava com uma administração onde os próprios moradores eram membros, entre eles Maria Rosa Santos Silva Teixeira, 71 anos, na época, presidente da Associação de Promoção Social da População do Bairro do Aleixo.

Em 1987, Rosa do Aleixo, como é conhecida, tornou-se presidente da associação e a partir deste momento travou a batalha para melhorar e evoluir os edifícios habitados, “tivemos de tapar as varandas porque com a chuva e o vento, entrava água para os elevadores, com isso andavam constantemente avariados”, afirma. Com algumas condições precárias dos edifícios, os moradores do bairro sentiram a necessidade de uma dedicação própria para o restabelecimento das suas casas.

O primeiro edifício a ser demolido, em 2010, foi a escola, que havia sido encerrada desde 2008. Este evento deveu-se ao fato de um consumo constante de estupefacientes junto à infraestrutura que prejudicava o ambiente escolar. Os 66 alunos foram transferidos para as escolas do Lordelo e Condominhas. 

Passado um ano, iniciou-se a demolição das torres do Bairro do Aleixo, sendo a torre 5 a primeira e a torre 4, em 2013, no último mandato do então Presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio. Foi apenas em 2019, que as últimas três torres foram desmontadas. 

Luísa Ferreira, 54 anos, que viveu na torre 2, saiu da Ribeira aos 8 anos para morar no bairro do Aleixo, onde viveu por 45 anos. Uma das últimas moradoras que lutou até ao fim pela permanência no bairro do Aleixo. Luísa conta que recebeu a informação sobre a demolição do bairro através de uma notícia, “reagimos muito mal, pensávamos que era um sonho”. 

Apesar de já não viver na mesma região, Luísa ainda se sente ligada às suas raízes, continua a frequentar os mesmos cafés, mercearias e visita familiares que ainda moram no local, mas alega que ainda é difícil, “não consigo olhar para as memórias que tenho do bairro. Tinha lá as minhas raízes”.

Como Luísa, Dona Rosa do Aleixo diz que ainda assim a demolição do bairro é a mais marcante. Com tristeza no olhar, ela diz que ainda é comovente olhar o vazio que permanece no lugar de onde uma vez foram as torres do Aleixo. “Uma pessoa que lutou por isto a vida inteira e agora vê um espaço vazio assim”. Mas ainda assim, orgulha-se de todo o trabalho que desenvolveu ao longo dos anos, “a memória que fica é de ver as crianças e os jovens a evoluírem na vida, fazer uma vida diferente do que faziam no Aleixo”.

Muitos não acreditavam que as crianças que ali viviam poderiam ter um futuro promissor, porém Diogo Costa é a prova do contrário, ex-morador da torre 5, jovem de 26 anos, a concluir o seu último ano de mestrado em Treino Desportivo. Atualmente é treinador de futebol no DragonForce e também jogador no Futebol Clube da Foz, sempre sonhou com esse futuro e mesmo com a discriminação constante que tinha de lidar no seu dia-a-dia, Diogo vingou na vida e hoje trabalha naquilo que ambicionou desde pequeno. “Como treinador de futebol sinto-me na obrigação de mostrar aos meus jogadores que somos todos iguais e todos temos os mesmo direitos”, afirma.

Apesar de o bairro do Aleixo ser conhecido pelas histórias ligadas ao consumo e tráfico de droga, os antigos moradores afirmam que boas memórias foram criadas. Tânia Ribeiro, filha da ex-Presidente da Associação de Promoção Social da População do Bairro do Aleixo, destaca ainda o senso de comunidade que sempre houve no bairro entre os moradores. Rogério Moura, que vivia na torre 2, partilha da mesma opinião dizendo que “foi criado um laço fraterno, e que ainda hoje as amizades de todos se mantêm”. 

E essa solidariedade, e o senso de comunidade que os antigos moradores sentiam, fez com que eles, mesmo depois da demolição do bairro, se mantivessem conectados. Apesar das divergências que foram criadas devido aos diferentes locais que foram remanejados, os verdadeiros amigos mantiveram-se, mesmo que seja apenas através da internet. Dona Rosa do Aleixo conta que “o contacto mantém-se através do Facebook”, e diz que muitos estão tristes e revoltados com o acontecido e que não querem ver o espaço onde se encontravam os edifícios por ser uma lembrança dolorosa.

As festas populares, nomeadamente, o S. João e o Carnaval, sempre foram eventos  de grande alegria onde a comunidade se juntava e partilhava comida, faziam concursos, conviviam e dançavam. Luísa Ferreira recorda, “quando eu era miúda faziam as festas de S. João que eram ótimas, organizado por nós, pelos miúdos, pelos graúdos, andávamos todos ali à volta”, relembra ainda que infelizmente hoje é dia isso já não acontece porque para além de terem mudado de bairro a solidariedade já não é a mesma.

Os moradores do bairro do Aleixo, apesar das memórias e histórias boas para contar, tiveram que enfrentar a discriminação daqueles que viviam do lado de fora. O treinador do DragonForce conta que havia sempre um estigma para com as crianças do bairro, para muitas pessoas uma criança do bairro não poderia ambicionar um futuro melhor, “uma das memórias que tem presente foi quando saiu da Escola do Aleixo e se mudou para a segunda escola (Escola Leonardo Coimbra), quando dizia que o seu sonho era tirar uma  licenciatura e o mestrado as pessoas diziam que ele não iria conseguir por ser do Bairro do Aleixo”. 

Tânia Ribeiro também evidencia a discriminação que sentiu logo cedo, “aos 5 anos, quando foi preciso mudar de escola, por ser do bairro do Aleixo, diziam que eu não seria ninguém e não conseguiria chegar a lugar algum”.

O Bairro do Aleixo sempre foi conhecido devido aos pontos negativos, mas apesar disso, a Associação dos Moradores sempre lutou para que o espaço tivesse um bom convívio e para que todos pudessem ter oportunidades. Proporcionando a todos um ensino de qualidade, que até então não era possível. Com isso, oficinas profissionais foram criadas para aqueles que optaram por não seguir o ensino regular.

Até ao dia de hoje a questão que ainda é uma incógnita, é o porquê de ter sido demolido.

Vídeo: Beatriz Cação, Laryssa Assis, Maria Inês Ferreira e Magda Santos.

Fotos: Ângelo Monteiro

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